quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Chiclete

Chicletes chegaram ao Brasil como símbolo de contestação juvenil


Sexta, 10 de maio de 2002, 10h44
Um dos símbolos da americanização do Brasil a partir da década de 40, os chicletes chegaram ao país há 60 anos para expressar a contestação juvenil e a rebeldia infantil difundidas em especial pelo cinema. Mudaram hábitos dos brasileiros e se integraram à cultura nacional.
Mais de meio século se passou desde que o hoje advogado aposentado Nilson Silva começou a colecionar álbuns de figurinhas. Ele garante que tem 115 mil títulos completos lançados a partir do século XIX - 15 mil são duplicatas, que chega a comercializar por até R$ 2 mil. Desse universo, mais de seis mil foram produzidos por fabricantes de gomas de mascar. Segundo ele, desde 1955, quando surgiu o primeiro chiclete fabricado no Brasil, as empresas lançam, em média, 120 álbuns por ano. A maioria vem de marcas regionais de médio porte que não chegam a grandes centros como São Paulo e Rio. Nilson possui pérolas como a coleção de aviação, a primeiro da Ping Pong; ou o Bolão, de 1958, da mesma empresa, ambos com 100 figurinhas cada.
Enquanto Nilson Silva corre para não perder nenhum álbum que sai, a fabricante Warner Lambert comemora recorde no mercado de chicletes. Nos últimos 90 dias, os cantores Sandy & Júnior venderam 160 milhões de unidades da goma de mascar Ping Pong Ploc, um universo correspondente à população do Brasil. Até então, a maior vendagem no mesmo período havia ocorrido com as figurinhas de Tiazinha, pela marca Buzzi, da Riclan, personagem da dançarina Suzana Alves, que chegou a 100 milhões em 1999. A mesma Riclan acaba de lançar coleções das dançarinas Sheila Melo e Scheila Carvalho, do grupo É o Tchan!; do trio KLB; e de Bad Boy, personagem dos games.
Os exemplos da coleção de Nilson Silva e do sucesso de Sandy & Júnior dimensionam dois fenômenos curiosos e aparentemente pouco perceptíveis: o expressivo consumo de chicletes no Brasil e um complexo universo de fetiche, nostalgia e polêmica que cerca o consumo do produto. Por trás de tudo está a guerra por um mercado nada desprezível, em franca expansão, que movimenta por ano no Brasil mais de US$ 950 milhões. Somente nos dois últimos anos, dois gigantes do setor vieram da Itália e do México para montar fábricas no país, enquanto as três maiores empresas anunciaram investimentos vultosos para expandir suas fábricas até 2003.
18 milhões de chicletes ao dia
Estima-se que cerca de 18 milhões de gomas de mascar são vendidas todos os dias no país. O Brasil é o segundo maior fabricante e consumidor do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. De acordo com estudos da Adams americana, as vendas de gomas de mascar naquele país dobraram durante a década de 1990. No momento, passam das 100 mil toneladas por ano. Esta quantidade corresponde a cinco vezes o consumo brasileiro - dado que revela a potencialidade do país para os fabricantes internacionais.
O setor conta com mais de cem empresas no Brasil, muitas delas regionais e locais. A principal fabricante é a americana Warner Lambert (64%), que possui mais de vinte marcas próprias - somente a metade é comercializada. São as mais conhecidas do mercado: Adams, Trident, Chiclets, Clorets, Bubbaloo, Bubbaloo Tri, Freshen-up, Ping Pong/Ploc e Plets. Somente Ping Pong e Ploc ocupam 50% do mercado infantil, enquanto a Arcor fica com 25% - com itens como Big Big, Big Bolão, Bolim Bola e Frutas. No geral, a Arcor fica com 16%. Em terceiro, vem a Sukest (8%).
Os números são expressivos, mas nada disso impressionaria tanto se o chiclete não tivesse uma trajetória controversa nestes 60 anos, marcada por polêmicas ligadas a comportamento, saúde e até política que resultaram em campanhas contra seu consumo. Por ter surgido nos Estados Unidos, tornou-se símbolo do "imperialismo ianque". Como na América, durante as décadas de 1940 e 1960, transformou-se em objeto de contestação juvenil: o ato de mastigar de boca aberta ou fechada se tornou tão ofensivo à autoridade de pais e professores quanto fumar cigarro.
Mais que isso, durante décadas, um dos principais motivos para que os pais implicassem contra os chicletes tinha relação com sua desaprovação por médicos e dentistas. Na verdade, criou-se uma mitologia preconcebida do produto muito mais devido à sua novidade e rápida assimilação por crianças, adolescentes e jovens. Imaginou-se, por exemplo, que engolir a goma poderia matar, uma vez que grudava no intestino e bloqueava a passagem de alimentos. Afirma-se ainda hoje que, quando consumidos em excesso, os corantes das gomas irritam o esfíncter inferior do esôfago e podem provocar reflexo. Trariam também hipersecreção gástrica, por estimular o cérebro a produzir o líquido, dentro da suposição de que alimentos foram comidos. Acredita-se ainda que o uso diário do chiclete provoque desgaste da mastigação têmporo-mandibular.
Os médicos mais tolerantes acreditam que os chicletes não prejudicam a digestão, mas diminuem a vontade de comer. O ato de mascar provoca a falsa sensação de saciedade, de estômago cheio. As gomas de mascar dietéticas, por sua vez, se não causam cárie, produzem gases. Isto ocorre porque elas contêm alguns tipos de açúcar que não são digeridos pelo organismo humano. Chegam íntegras ao intestino grosso, onde são decompostas pelas bactérias da flora intestinal. E é esse processo que provoca gases.
Laércio Gomes Lourenço, especialista em aparelho digestivo, não vê maiores problemas com as gomas de mascar. Professor-adjunto doutor pelo Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Lourenço crê que o uso constante de "qualquer coisa" é prejudicial à saúde. O hábito diário de mascar goma pode ser prejudicial para as pessoas que têm tendência a doenças gástricas. O médico lembra que não é o chiclete que provoca cárie, mas o açúcar que o acompanha. Para os que garantem que o chiclete ajuda a oxigenar o cérebro, Lourenço é taxativo: o gás que corre no sangue é capturado pelos pulmões e não pela boca. O médico também desmente que engolir chiclete faz mal. Não faz porque a goma é digerida no estômago e intestinos.




Chicletes chegaram ao Brasil como símbolo de contestação juvenil


Sexta, 10 de maio de 2002, 10h44
Um dos símbolos da americanização do Brasil a partir da década de 40, os chicletes chegaram ao país há 60 anos para expressar a contestação juvenil e a rebeldia infantil difundidas em especial pelo cinema. Mudaram hábitos dos brasileiros e se integraram à cultura nacional.
Mais de meio século se passou desde que o hoje advogado aposentado Nilson Silva começou a colecionar álbuns de figurinhas. Ele garante que tem 115 mil títulos completos lançados a partir do século XIX - 15 mil são duplicatas, que chega a comercializar por até R$ 2 mil. Desse universo, mais de seis mil foram produzidos por fabricantes de gomas de mascar. Segundo ele, desde 1955, quando surgiu o primeiro chiclete fabricado no Brasil, as empresas lançam, em média, 120 álbuns por ano. A maioria vem de marcas regionais de médio porte que não chegam a grandes centros como São Paulo e Rio. Nilson possui pérolas como a coleção de aviação, a primeiro da Ping Pong; ou o Bolão, de 1958, da mesma empresa, ambos com 100 figurinhas cada.
Enquanto Nilson Silva corre para não perder nenhum álbum que sai, a fabricante Warner Lambert comemora recorde no mercado de chicletes. Nos últimos 90 dias, os cantores Sandy & Júnior venderam 160 milhões de unidades da goma de mascar Ping Pong Ploc, um universo correspondente à população do Brasil. Até então, a maior vendagem no mesmo período havia ocorrido com as figurinhas de Tiazinha, pela marca Buzzi, da Riclan, personagem da dançarina Suzana Alves, que chegou a 100 milhões em 1999. A mesma Riclan acaba de lançar coleções das dançarinas Sheila Melo e Scheila Carvalho, do grupo É o Tchan!; do trio KLB; e de Bad Boy, personagem dos games.
Os exemplos da coleção de Nilson Silva e do sucesso de Sandy & Júnior dimensionam dois fenômenos curiosos e aparentemente pouco perceptíveis: o expressivo consumo de chicletes no Brasil e um complexo universo de fetiche, nostalgia e polêmica que cerca o consumo do produto. Por trás de tudo está a guerra por um mercado nada desprezível, em franca expansão, que movimenta por ano no Brasil mais de US$ 950 milhões. Somente nos dois últimos anos, dois gigantes do setor vieram da Itália e do México para montar fábricas no país, enquanto as três maiores empresas anunciaram investimentos vultosos para expandir suas fábricas até 2003.
18 milhões de chicletes ao dia
Estima-se que cerca de 18 milhões de gomas de mascar são vendidas todos os dias no país. O Brasil é o segundo maior fabricante e consumidor do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. De acordo com estudos da Adams americana, as vendas de gomas de mascar naquele país dobraram durante a década de 1990. No momento, passam das 100 mil toneladas por ano. Esta quantidade corresponde a cinco vezes o consumo brasileiro - dado que revela a potencialidade do país para os fabricantes internacionais.
O setor conta com mais de cem empresas no Brasil, muitas delas regionais e locais. A principal fabricante é a americana Warner Lambert (64%), que possui mais de vinte marcas próprias - somente a metade é comercializada. São as mais conhecidas do mercado: Adams, Trident, Chiclets, Clorets, Bubbaloo, Bubbaloo Tri, Freshen-up, Ping Pong/Ploc e Plets. Somente Ping Pong e Ploc ocupam 50% do mercado infantil, enquanto a Arcor fica com 25% - com itens como Big Big, Big Bolão, Bolim Bola e Frutas. No geral, a Arcor fica com 16%. Em terceiro, vem a Sukest (8%).
Os números são expressivos, mas nada disso impressionaria tanto se o chiclete não tivesse uma trajetória controversa nestes 60 anos, marcada por polêmicas ligadas a comportamento, saúde e até política que resultaram em campanhas contra seu consumo. Por ter surgido nos Estados Unidos, tornou-se símbolo do "imperialismo ianque". Como na América, durante as décadas de 1940 e 1960, transformou-se em objeto de contestação juvenil: o ato de mastigar de boca aberta ou fechada se tornou tão ofensivo à autoridade de pais e professores quanto fumar cigarro.
Mais que isso, durante décadas, um dos principais motivos para que os pais implicassem contra os chicletes tinha relação com sua desaprovação por médicos e dentistas. Na verdade, criou-se uma mitologia preconcebida do produto muito mais devido à sua novidade e rápida assimilação por crianças, adolescentes e jovens. Imaginou-se, por exemplo, que engolir a goma poderia matar, uma vez que grudava no intestino e bloqueava a passagem de alimentos. Afirma-se ainda hoje que, quando consumidos em excesso, os corantes das gomas irritam o esfíncter inferior do esôfago e podem provocar reflexo. Trariam também hipersecreção gástrica, por estimular o cérebro a produzir o líquido, dentro da suposição de que alimentos foram comidos. Acredita-se ainda que o uso diário do chiclete provoque desgaste da mastigação têmporo-mandibular.
Os médicos mais tolerantes acreditam que os chicletes não prejudicam a digestão, mas diminuem a vontade de comer. O ato de mascar provoca a falsa sensação de saciedade, de estômago cheio. As gomas de mascar dietéticas, por sua vez, se não causam cárie, produzem gases. Isto ocorre porque elas contêm alguns tipos de açúcar que não são digeridos pelo organismo humano. Chegam íntegras ao intestino grosso, onde são decompostas pelas bactérias da flora intestinal. E é esse processo que provoca gases.
Laércio Gomes Lourenço, especialista em aparelho digestivo, não vê maiores problemas com as gomas de mascar. Professor-adjunto doutor pelo Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Lourenço crê que o uso constante de "qualquer coisa" é prejudicial à saúde. O hábito diário de mascar goma pode ser prejudicial para as pessoas que têm tendência a doenças gástricas. O médico lembra que não é o chiclete que provoca cárie, mas o açúcar que o acompanha. Para os que garantem que o chiclete ajuda a oxigenar o cérebro, Lourenço é taxativo: o gás que corre no sangue é capturado pelos pulmões e não pela boca. O médico também desmente que engolir chiclete faz mal. Não faz porque a goma é digerida no estômago e intestinos.
Terapia contra o estresse
Num outro extremo estão as pessoas que defendem o uso da goma como terapia contra o estresse. Basta lembrar que ainda hoje, no interior do país, preserva-se o hábito de mascar fumo de rolo em momentos de ansiedade. Mesmo ignorado por estudiosos das áreas de saúde, comportamento e até por historiadores das relações culturais entre Brasil e Estados Unidos, a goma de mascar incorporou-se por completo aos hábitos dos brasileiros. Tanto ou mais que o refrigerante, o cahorro quente e o hambúrguer. Primeiro, na década de 1950, popularizou-se tanto que virou gíria. Chiclete era o tipo de pessoa pegajosa, chata; "jogar um chiclete na mina" significava passar-lhe uma cantada. Depois, foi tema da música "Chiclete com Banana", de Gordurinha, imortalizada por Jackson do Pandeiro na década de 1960, como sátira à americanização da cultura nacional. Inspirou a tira de quadrinhos homônima do cartunista Angeli. Deu nome à banda carnavalesca Chiclete com Banana.
Nos últimos anos, em tempos de supervalorização do corpo e da mente, o chiclete transformou-se. O fator de consumo dessa linha para adultos, segundo Jorge Conti, diretor da Arcor, está na sua funcionalidade. Além de conservar hálito agradável, algumas marcas contêm medicamento para ajudar na calcificação e branqueamento dos dentes e combate à cárie. Criou-se até chiclete com nicotina para combater o vício de fumar. Outros trazem antidepressivos. O Xilitol tem sido recomendado por causa de sua ação no combate à infecção bucal e às cáries. E o diet é usado para conservar o hálito.
O mercado de gomas sem açúcar tem crescido nos últimos dez anos. Hoje, representa, em volume, mais de um terço do volume comercializado de chicletes. Por causa dessas novidades, os adultos - dos 13 aos 40 anos - já representam 35% das vendas e 50% do faturamento, uma vez que os chicletes dirigidos a essa faixa etária custam mais caro - em média, R$ 0,80, enquanto os infantis saem por R$ 0,05.
Marcel Sacco, um dos diretores da Adams no Brasil, explica que o fenômeno ocorre sem distinção de sexo ou idade. As gomas diets crescem a cada ano e a base de consumidores aumenta tanto com homens e mulheres quanto com crianças e adultos. Segundo o empresário, o consumo por adultos representa 95% deste mercado, já que os benefícios funcionais são percebidos mais rapidamente por eles e há de fato um apelo maior às mulheres, usualmente mais preocupadas com a estética. No entanto, existe também um forte crescimento entre as crianças, já que os dentistas recomendam a goma sem açúcar, e as mães se sentem mais tranqüilas ao ver seus filhos adotar o uso do produto com esta especificação.
Junto às crianças, a goma de mascar também se modernizou. Além de ser de bola, ganhou valores agregados que vão das tradicionais figurinhas - agora, autocolantes - às tatuagens temporárias, recheios e novos sabores. Nessa faixa, que vai dos 2 aos 12 anos, a presença do chiclete costuma ter também uma função importante que a maioria dos pais não percebe, mas que os fabricantes conhecem bem: pela goma de mascar, a criança mostra sua insatisfação e rebeldia em casa e na escola. O ato de mascar é um desafio à autoridade paterna ou escolar por causa da repressão a seu uso excessivo - provoca cárie, prejudica a formação dos dentes, não deve ser consumido antes das refeições, não é permitido fazer e estourar bolas em salas de aula, nem colar no cabelo da irmã...